O que acontece aos seguros durante um apagão nacional?
Às certezas que todos tínhamos no dia 27 de abril, seguiu-se a incerteza da nossa apólice no dia 28 de abril. O apagão trouxe muitas dúvidas quanto ao âmbito de cobertura das diversas apólices comercializadas pelo setor segurador.
Ainda que a maioria das pessoas apenas conheça o seguro automóvel, o seguro de saúde, o seguro de acidentes de trabalho e o seguro de habitação, o mercado oferece uma imensidão de produtos.
Esta introdução para vos dizer que apenas iremos comentar o apagão, à luz das apólices de Multirriscos, produtos desenhados para indemnizar danos materiais em edifícios ou conteúdos, próprios, decorrentes de causas súbitas, aleatórias e imprevistas, características indissociáveis da definição de sinistro neste tipo de produtos.
As apólices são produtos seguradores desenhadas à medida daquilo que se pretende segurar, ferramentas de gestão de risco por transferência contratual de responsabilidades para Seguradores, fortemente reguladas por legislação própria, que regula até o tipo de letra que se pode utilizar na sua redação. As letrinhas pequeninas, que já há muito deixaram de existir.
Tirando as apólices obrigatórias, de conteúdo uniforme, todos os produtos seguradores possuem liberdade contratual, ou seja, ainda que denominemos todas as apólices de Multirriscos, o seu conteúdo varia em função da qualidade do produto disponibilizado e da apetência do Segurador pelos riscos que aceita subscrever.
Isto para dizer que não podemos olhar para os Seguros, com a perspetiva “se cobrem ou não cobrem o apagão”. O que temos de equacionar é se o apagão provocou danos materiais nos objetos seguros pelas apólices em exercício e se existem cláusulas contratuais que indemnizem os danos produzidos nos objetos seguros, provocados pela ausência de fornecimento de energia.
Neste contexto, admitimos a produção de danos em bens seguros no objeto conteúdo como a situação mais provável pela falta de fornecimento de energia, tais como máquinas e equipamentos que consomem energia elétrica e em produtos perecíveis, cuja conservação obriga a algum tipo de frio (refrigeração ou congelação). É pouco provável que a falta de fornecimento de energia tenha provocado danos no objeto Imóvel.
A arquitetura de apólices considera, normalmente, um pacote de garantias, denominado Base, e um conjunto de garantias subscritas à peça, denominadas Garantias Complementares ou Garantias Especiais.
Normalmente, o conjunto de garantias que compreende a cobertura Base, não responde por danos em máquinas, sejam ou não decorrentes de efeitos de energia elétrica, nem por danos em produtos que exigem refrigeração, seja por ausência no fornecimento de energia ou pela avaria na máquina que conserva os bens perecíveis em refrigeração.
Danos decorrentes de causas com estas características, só são indemnizáveis se o desenho da apólice considerar as garantias de:
- Bens Refrigerados (Multirriscos Industrial/ Multirriscos Empresas)
- Avaria de Frigoríficos e Arcas Congeladoras (Multirriscos Habitação)
- Riscos Elétricos
Importa, também, registar que as soluções desenhadas para empresas/indústria, associam sempre a garantia de Bens Refrigerados à garantia de Avaria de Máquinas, ou seja, na indústria e nas empresas, só há possibilidade de acionar Bens Refrigerados se suportados por uma garantia de Avaria de Máquinas.
Temos ainda de ter presente que o apagão tem dois momentos distintos. A ausência do fornecimento de energia e o restabelecimento do fornecimento de energia.
Ausência no fornecimento de energia
Analisando o acontecimento do ponto de vista da ausência no fornecimento de energia, para o período de interrupção verificado, inferior a 12 horas, não há no conteúdo dos produtos seguradores normalmente disponibilizados qualquer garantia que possa ser acionada por danos nos objetos seguros.
Ainda que os objetos estejam seguros e existam danos decorrentes de causa súbita, aleatória e imprevista, todas as cláusulas de Bens Refrigerados excluem danos decorrentes da ausência de fornecimento de energia ou, não o excluindo definitivamente, associam um período de carência no fornecimento não inferior a 12 horas, ou seja, a indemnização é possível quando o fornecimento de energia só ocorre 12 horas após a interrupção.
Analisando estritamente as cláusulas mais comuns do mercado de Bens Refrigerados e de Avaria de Frigoríficos e Arcas Congeladoras, embora com denominações distintas, ambas excluem danos por ausência ou interrupção no fornecimento de energia elétrica da rede pública.
Restabelecimento no fornecimento de energia
Analisando o acontecido do ponto de vista do restabelecimento no fornecimento de energia, caso os objetos seguros que consomem energia elétrica sofram danos em virtude de efeitos diretos de corrente elétrica, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, poderá haver lugar a obrigação de indemnizar ao abrigo da garantia complementar de Riscos Elétricos, mas sempre limitado à máquina ou ao equipamento que sofre o dano, não cabendo nesta garantia a indemnização por danos em bens refrigerados.
Em resumo, podemos afirmar como pouco provável a indemnização de danos aos bens seguros ao abrigo da garantia de Bens Refrigerados, assim como ao abrigo da garantia de Riscos Elétricos, tendo em conta os dispositivos de segurança que normalizam o fornecimento de energia a equipamentos e máquinas que consomem energia.
Contudo, como referido acima, falamos apenas de cláusulas standard. Ninguém melhor do que o seu corretor profissional de seguros para analisar as suas condições contratuais e perceber se há ou não lugar a alguma indemnização.